Informe 2007: As políticas do medo criam um mundo perigosamente dividido
(Londres, 23 de maio) Governos poderosos e grupos armados estão deliberadamente instigando o medo para corromper os direitos humanos e criar um mundo cada vez mais polarizado e perigoso, disse hoje a Anistia Internacional no lançamento de seu Informe 2007, a avaliação anual que a organização faz dos direitos humanos em todo o mundo.
“Por meio de políticas míopes, divisivas e que promovem o medo os governos estão enfraquecendo os direitos humanos e o Estado de direito, alimentando o racismo e a xenofobia, dividindo comunidades, intensificando as desigualdades e semeando mais violência e mais conflito”, declarou Irene Khan, secretária-geral da Anistia Internacional.
“As políticas do medo estão gerando um clima perverso de abusos dos direitos humanos em que nenhum direito é inviolável e ninguém está seguro.”
“A ‘guerra ao terror’ e a guerra no Iraque, com seu elenco de abusos dos direitos humanos, criaram divisões profundas e lançaram uma sombra sobre as relações internacionais, dificultando a resolução dos conflitos e a proteção dos civis.”
Marcada por desconfiança e divisões, a comunidade internacional mostrou-se demasiadas vezes impotente ou vacilante diante das maiores crises de direitos humanos de 2006, tanto nos conflitos esquecidos da Chechênia, da Colômbia e do Sri Lanka, quanto nos de maior destaque, que acontecem no Oriente Médio.
As Nações Unidas levaram semanas para reunir a vontade necessária para pedir um cessar-fogo do conflito no Líbano, em que morreram cerca de 1.200 civis. A comunidade internacional não teve a coragem necessária para enfrentar o desastre de direitos humanos que resultou das severas restrições à liberdade de circulação dos palestinos nos Territórios Ocupados, dos incansáveis ataques do Exército israelense e das lutas entre as facções de grupos palestinos.
“Darfur é uma ferida aberta na consciência mundial. O Conselho de Segurança da ONU está sendo atrapalhado pela desconfiança e pelo jogo duplo de seus membros mais poderosos. O governo sudanês está fazendo o quer na organização. Enquanto isso, 200 mil pessoas morreram, um quantidade dez vezes maior foi desalojada e os ataques das milícias estão agora se espalhando pelo Chade e pela República Centro-Africana”, disse Irene Khan.
Emergindo em uma faixa de instabilidade que se estende das fronteiras do Paquistão ao Chifre da África, os grupos armados mostraram sua força e se envolveram em abusos incomensuráveis dos direitos humanos e do direito internacional.
“A menos que os governos enfrentem as injustiças que fomentam esses grupos, a menos que ofereçam uma liderança verdadeira para fazê-los prestar contas dos abusos que cometem e a menos que, também eles, estejam prontos a prestar contas de seus próprios atos, as previsões para os direitos humanos serão sombrias”, afirmou a secretária-geral.
No Afeganistão, a comunidade internacional e o governo afegão desperdiçaram a oportunidade de construir um Estado efetivo baseado nos direitos humanos e no Estado de direito, deixando a população em uma situação de insegurança crônica e corrupção, em meio ao ressurgimento do Talibã. No Iraque, as forças de segurança incitaram a violência sectária ao invés de contê-la, o sistema de justiça mostrou-se lastimavelmente inadequado e as piores práticas do regime de Saddam Hussein – a tortura, os julgamentos injustos, a pena capital e os estupros cometidos impunemente – estão tão vivos quanto antes.
“Em muito países, plataformas políticas ditadas pelo medo estão promovendo a discriminação, ampliando o abismo entre ‘os que possuem’ e ‘os despossuídos’, entre ‘nós’ e ‘os outros’, deixando desprotegidos os que são mais marginalizados”, afirmou Irene Khan.
Somente na África, centenas de milhares de pessoas foram expulsas à força de suas casas, sem que houvesse o devido processo, sem receber compensação e sem ter alternativas de alojamento – geralmente, em nome do progresso e do desenvolvimento econômico.
Os políticos manipularam o medo da imigração descontrolada para justificar medidas mais severas contra requerentes de asilo e refugiados nos países da Europa Ocidental, enquanto os trabalhadores imigrantes eram deixados sem proteção e explorados em todo o mundo, desde a Coréia do Sul até a República Dominicana.
Alimentadas por estratégias discriminatórias de combate ao terrorismo nos países ocidentais, as divisões entre muçulmanos e não-muçulmanos aprofundaram-se ainda mais. Por todo o mundo, aumentaram os incidentes de islamofobia, anti-semitismo, intolerância e ataques a minorias religiosas.
Ao mesmo tempo, os crimes de ódio contra estrangeiros eram disseminados por toda a Rússia; a segregação e a exclusão da comunidade cigana se alastrava de Dublin a Bratislava, numa demonstração flagrante de falta de liderança para combater o racismo e a xenofobia.
“Uma polarização mais intensa e a acentuação dos temores com a segurança nacional reduziram o espaço para a tolerância e para as diferenças de opinião. Por todo o mundo, do Irã ao Zimbábue, diversas vozes independentes que falavam de direitos humanos foram silenciadas em 2006”, disse Irene Khan.
A liberdade de expressão foi suprimida de várias maneiras, como, por exemplo, por meio de processos contra escritores e defensores dos direitos humanos na Turquia; do assassinato de ativistas políticos nas Filipinas; do constante assédio, da vigilância e das freqüentes prisões de defensores dos direitos humanos na China; e do assassinato da jornalista Anna Politkovskaya e das novas leis de regulação das organizações não-governamentais na Rússia. A Internet tornou-se a nova frente de combate pelas diferenças de opinião. Em países como China, Irã, Síria, Vietnã e Belarus ativistas foram presos e algumas empresas compactuaram com os governos para restringir o acesso às informações da rede.
Em países como o Egito, estilos de repressão já ultrapassados ganharam uma nova leitura inspirada na cartilha de combate ao terrorismo. Ao mesmo tempo, no Reino Unido, leis antiterroristas vagamente definidas apresentavam uma potencial ameaça à liberdade de expressão.
Cinco anos após o 11 de setembro, começam a surgir novas evidências de como o governo dos EUA tratou o mundo como se fosse um campo de batalha gigante para sua “guerra ao terror”, seqüestrando, prendendo, detendo arbitrariamente, torturando e transferindo suspeitos de uma prisão secreta a outra, por todo o mundo, com impunidade - no que chamaram de “rendições extraordinárias”.
“Nada representou melhor a globalização das violações de direitos humanos do que a ‘guerra ao terror’ liderada pelos Estados Unidos e seu programa de ‘rendições extraordinárias’, que implicaram governos de países tão distantes quanto a Itália e o Paquistão, a Alemanha e o Quênia”, afirmou Irene Khan. “Estratégias mal concebidas de combate ao terrorismo fizeram pouco para reduzir a ameaça de violência ou para assegurar justiça às vítimas do terrorismo, mas fizeram muito para prejudicar os direitos humanos e o Estado de direito em todo o mundo.
A Anistia Internacional pediu aos governos que rejeitassem as políticas do medo e investissem em instituições de direitos humanos e no Estado de direito, tanto em nível nacional quanto internacional.
“Há sinais de esperança. As instituições européias criaram um momento propício para que haja transparência e para que se preste conta das rendições. Graças à pressão da sociedade civil, a ONU concordou em desenvolver um tratado para controlar as armas convencionais. Em diversos países, novos líderes e novas legislaturas que assumiram o poder têm nas mãos a oportunidade de corrigir as falhas daquelas lideranças que tanto obscureceram o cenário dos direitos humanos nos últimos anos. O novo Congresso dos Estados Unidos poderia tomar a dianteira e dar o exemplo, reconquistando o respeito pelos direitos humanos, tanto em seu território quanto no estrangeiro,” declarou a secretária-geral.
“Do mesmo modo que o aquecimento global exige uma ação mundial baseada na cooperação internacional, a erosão dos direitos humanos somente será enfrentada através da solidariedade global e do respeito pelo direito internacional.”